A crise que o país atravessou na sessão anual da Assembleia Geral das Nações Unidas.

05/10/2012 14:05

Eu acho que….!

No preciso momento em que escrevo estas linhas, constata-se que o povo guineense não é indiferente a

mais uma infeliz crise que o país atravessou na sessão anual da Assembleia Geral das Nações Unidas, em

Setembro, em Nova Iorque, com a presença de duas delegações, uma das autoridades de transição

chefiada pelo Presidente da República, e outra das autoridades depostas, a tentarem, cada uma por si,

fazer-se representar em nome do Estado guineense.

Esta situação é tanto mais grave, se nos lembrarmos que a mesma não permitiu aos legítimos governantes

guineenses fazer jus ao nome de Amílcar Cabral que tão dignamente se fez representar no mesmo pódio

nos anos 60 para elevar ao mais alto nível a imagem do nosso país, permitindo que vozes doutras latitudes

se juntassem à nossa para pugnar pela justa causa da independência nacional. O espetáculo é na realidade

triste, para parafrasear o Presidente de transição, e como tal, devem-se tirar ilações, e eventualmente

exigir responsabilidades.

Não deixarei por isso de assinalar a lamentável persistência com que certos sectores guineenses instalados

em altas instâncias do poder, ainda se encontram mobilizados numa perversa aliança com as forças do mal,

consubstanciada na ideia obsessiva da estratégia da guerra.

E porque de estratégia de guerra se trata, continuamos deste modo a registar com algum desgosto, que

países com os quais outrora partilhámos a mesma trincheira na luta contra o retrógrado colonialismo

português, hoje, se acham irmanados com Portugal, que através daquela coisa que se chama CPLP,

prossegue sem cessar o seu desígnio nacional de reacender as chamas do colonialismo sob outras formas.

É singular a forma como esta gentinha ainda esteja a tentar o que os generais portugueses, com o Marechal

Spínola à cabeça, não conseguiram em 6 ou 7 anos de combates sangrentos travados contra o nosso povo,

durante a gloriosa luta de libertação nacional.

A ninguém restam dúvidas de que o braço-de-ferro que as forças ocultas que militam na CPLP mantêm

contra a CEDEAO, tem que ser desmistificado, de uma vez por todas. A ideia disparatada do regresso ao

antes do 12 de Abril, que a famigerada organização do paleio, potenciada na pseudo-mensagem da

“democracia-a-todo-o-custo” nos quer incutir, encerra, na verdade, uma mensagem de intransigência

inaceitável, que só poderá conduzir a Guiné-Bissau, isso sim, a um ciclo de desentendimentos insanáveis, e

a uma instabilidade política e social sem precedentes.

Aos olhos desta maldita organização, uma eventual situação de desmando, seria o cenário catalítico ideal

para inviabilizar perante as instâncias onusianas, o crédito até aqui granjeado pela CEDEAO na boa

monitorização do processo de transição.

A acontecer, tal eventualidade permitiria a integração da CPLP no processo do qual se autoexcluiu, com a

vinda de mais contingentes de tropas, e certamente, com a partilha, ou mesmo maior poder de influência

na condução dos destinos do nosso país conforme seus intentos.

É este o verdadeiro sentido da apregoada e agastada linguagem de harmonização de posições, que é

preciso denunciar, porque a insistência na vinda de mais tropas internacionais, já de si, encerra um

preconceito e uma arrogância inadmissíveis, denotando a ideia de que as tropas da CEDEAO no terreno são

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menos internacionais, que as que viriam. As tropas internacionais são iguais, mas na visão estapafúrdia e

discriminatória desta gente, há outras mais iguais que outras.

E a este propósito, uma pergunta se impõe. Que tropas viriam engrossar, ou substituir as tropas da

CEDEAO?

Porque uma coisa é certa. Depois das investidas algo inopinadas, e até em algumas ocasiões brutalmente

ofensivas que a CPLP ainda mantém contra as autoridades de transição, as tropas de Cabo Verde, de

Angola, de Portugal, de São Tomé, de Moçambique, do Brasil e de Timor, nunca seriam bem-vindas.

Começa-se desde logo, a entender os contornos inconfessos desta grande trapaça de Portugal, da CPLP e

dos seus comparsas, que não passa de uma verdade da mentira, porque só deste modo conseguiriam

reintroduzir na cena política, os indesejáveis governantes depostos, quais moços de recado, para

continuarem a perseguir os objetivos traçados, que é chegar ao poder, e assim facilmente manipular os

governantes sob sua influência, para assim ter o domínio sobre os nossos recursos. Coisa que os angolanos

nunca lhes permitiram.

Não tenhamos ilusões, a batalha desnecessária, forjada, seja por algum amadorismo diplomático, seja por

algumas conveniências que ainda militam a favor das autoridades depostas, que se travou em Nova Iorque,

e que por um esquema ainda por explicar, se pretende que se continue a travar em Adis Abeba, tem por

detrás uma explicação clara de que se está a assistir a uma guerrilha sem tréguas de interesses organizados,

tendo como pano de fundo, a luta geoestratégica, de quem deve, ou poderá ficar com o poder de influência

no processo de decisão no futuro na Guiné-Bissau.

Curiosa é também a forma como agem as instâncias ligadas ao eixo do mal, para retomar uma velha

fórmula reacionária que lhes é muito cara. Os interesses obscuros sob os quais agem nunca estão alinhados

com os interesses do povo guineense, e esta é uma boa lição que os políticos da nossa praça deviam

aprender. Portugal, como todos os outros países do mundo agem em função dos seus interesses, e não em

função dos interesses do povo guineense.

Na verdade, a CPLP em vez de ir ao âmago da questão, ou seja, em vez de se alinhar às posições da CEDEAO

para também tomar parte na resolução da nossa crise, prefere tentar contornar o incontornável, e fazer

parte do problema, que é, o que contrariamente, o embaixador moçambicano junto das Nações Unidas

quis, indelicadamente, exprimir na semana passada. Na verdade, a CPLP fez parte desde o início do

problema, e não da solução, como facilmente se constata.

Mais curiosa ainda é a forma exclusiva como as mesmas entidades encaram o processo de inclusão,

querendo pôr de parte, arrogantemente, todos os compromissos de transição, incluindo proeminentes

figuras do PAIGC que integram o governo, a começar pelo próprio Presidente da República, exigindo que a

mesma se faça em moldes inaceitáveis, como integrar outras figuras do PAIGC.

Como se os partidos do Fórum que apoiam o governo de transição não contassem, esquecendo-se de que

foi o PAIGC, a primeira a rejeitar liminarmente à CEDEAO, a possibilidade de liderar todo o processo, como

inicialmente lhe fora proposto.

É preciso que as pessoas entendam que as soluções para o problema da Guiné-Bissau, são, e terão sempre

que passar em primeira linha, por um desenlace nacional e depois regional. Quer queiramos, quer não,

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revela-se duma inutilidade avassaladora tentar evocar princípios sob que regem outras comunidades, como

a Francofonia e a Commonwealth que integram países com fronteiras comuns, para servirem de exemplo

ao nosso caso. Aqui simplesmente o que se passa é que não há nenhum país da CPLP que partilhe fronteira

comum com outra.

Sem qualquer desprimor à importância da inexistência de fronteiras linguísticas entre os países integrantes

da CPLP, da mesma forma, os mesmos terão que respeitar a suma importância de compromissos

inalienáveis decorrentes da exigência geográfica de povos com fronteiras comuns.

O caso da expulsão da Frenagolpe das instalações dos independentistas esta semana mostra-nos que

Internamente já se assiste, ainda que timidamente e de forma pouco clara, a uma tentativa de alinhamento

a posições mais responsáveis, se bem que as mesmas ainda estejam longe de se harmonizar com as dos

institutos jurídicos que regem o processo de transição.

Mas mais do que ilustrativo, nesta situação, é a forma expeditiva com que a ala inicialmente radical às teses

que eles consideram golpistas, se desembaraçou do casamento de conveniência com o bando de

arruaceiros e companhia, qual aliado de circunstância. Num pragmatismo extremamente oportunista, e

para que sirva de lição aos mais incautos, a Direção dos libertadores não se coibiu de mostrar a verdadeira

raça, e mostrar ao mundo de que para alcançar o poleiro não se coíbe de se agarrar à lei do vale-tudo.

Apesar de a rapaziada já estar a compreender que a manjedoura do Estado a que estava habituada, e que

mantinha o seu status quo de parasita, já não ter pernas para andar, os mais recalcitrantes ainda resistem,

esperançados no regresso dos peões de Lisboa.

Esta não é certamente a atitude, nem mais patriótica, e nem mais realista perante o problema nacional.

Pelo menos comparada com a do poder judiciário, que num registo de dignidade e de fidelidade aos nobres

princípios de sentido de Estado, ousou enfrentar os financiadores do Escritório das Nações Unidas sobre

Drogas e Crimes (UNODC), que a todo o custo, e para justificar a permanência do programa, queriam que

se desviasse da verdade dos números sobre o tráfico de droga, mesmo que para isso se sacrificasse a

imagem do nosso país.

O que é verdade, é que a manifesta falta de escrúpulos de alguns responsáveis de agências das Nações

Unidas aqui representadas, nomeadamente a responsável pela droga e a UNIOGBIS, no seu mais elementar

comportamento relativamente aos seus mandatos na Guiné-Bissau, devem ser o mais urgentemente

revistos sob pena de continuarmos a ter dissabores.

Obrigado

Até daqui a quinze dias

Bissau, 5 de Outubro de 2012

Victor Pereira

Jornalista