A POMBA MILAGROSA

29-12-2011 19:14

A POMBA MILAGROSA

 

            A virtude política que se espera dos líderes não são cantilenas para adormecer crianças ao colo da mãe como muitos hoje nos querem fazer crer. Ela é milagrosa, mas a falta dela arrasta o caos. Situa-se ao nível das virtudes mais altas e mais exigentes. É a atitude que se espera a qualquer aristocracia política, em todos os tempos e em qualquer comunidade política. Ela assume um alcance não apenas político como moral. Os politólogos como Raymond Polin, consideram que nenhuma comunidade política pode viver e prosperar se não construir um valor sagrado ao qual todos os valores morais e políticos individuais devem ser submetidos em caso de crise. A sacralidade do Estado de que se refere aqui não é religiosa. Pode dizer-se que é uma transcendência metafísica de carácter divino, que dá o direito ao Estado de impor todas as obrigações e exigir todos os sacrifícios. Ou seja: o político, paralelamente ao poder do Estado, é sagrado porque é legítimo. O sagrado político sendo completamente humano e histórico não deixa de se revestir dos atributos de uma veneração que exige, em vez da religiosidade, a virtude.

 

A prática da virtude política, na análise de Polin, é dominada por três temas a saber: as leis, a pátria e a liberdade. Sobre as leis, diz ele:  a virtude política implica o lealismo (e o legalismo), a vontade de se conformar à lei tomada à letra, no estrito sentido jurídico. Ou seja, a necessidade de obedecer à lei como tal, como expressão universal de uma ordem comum de coexistência. O segundo elemento, é o amor da pátria, quando ela própria é representada por um conjunto de valores morais, políticos, sociais, culturais, apoiados numa tradição original, numa história comum, e a vontade de manter este conjunto e de assegurar a sua prosperidade no que ele tem de original. O último elemento é a prática e o amor a liberdade. Para ele, a atitude política virtuosa encontra o seu verdadeiro sentido no facto de cada um ser, por si mesmo, em última analise, o seu autor e o seu avalista.

 

Esta forma de estar na sociedade diz respeito ao conjunto dos cidadãos de uma comunidade política, tanto aos governantes como aos governados. Os governantes são cidadãos como os outros; estão, por definição, submetidos às mesmas leis e à mesma obrigação política. Mas, porque exercem funções de autoridade no Estado, lembra Polin, têm de se submeter a obrigações específicas que correspondem as suas funções.

 

Por isso se define que as funções públicas dos governantes não lhes conferem nenhum direito privado suplementar, mas apenas direitos públicos, que correspondem às funções públicas, à autoridade pública que detêm em função da missão que devem desempenhar. Este autor assegura ainda que é preciso ter em conta que a obrigação política específica que os governantes são levados a impor-se a si próprios, para assegurarem o exercício da autoridade pública que lhes é reconhecida tem uma face positiva e a outra negativa. A obrigação política positiva define-se pela obrigação de cumprirem plenamente as suas funções: a missão que lhes foi confiada por algum processo e que está determinado pela Lei, por um lado, e, por outro, a prossecução exclusiva do bem comum. A obrigação política negativa dos governantes exige-lhes a separação radical da sua pessoa privada. Ou seja, a única paixão pessoal que se deveria tolerar a um governante seria a ambição e a glória de ter cumprido bem a sua missão e de ter servido bem o Estado (o seu povo).

.              Preocupava muito Amílcar Cabral se os futuros dirigentes seriam capazes de pensar no nosso problema comum, nos problemas do nosso povo, da nossa gente, pondo no devido nível os problemas pessoais e, se necessário, sacrificando os interesses pessoais, serem capazes de fazer milagres. Sinalizou, então, a sua inquietação contando a história de um filme que viu sobre um rapaz que fazia milagre através de uma pomba. Considerou-o uma grande lição para ele. Contou: Era uma vez um rapazinho que foi educado num colégio qualquer de padres e que acreditava muito em milagres. Não conhecia nada da vida, porque fez a sua vida no colégio e saiu de lá homem, com vinte e um anos. Todas as injustiças que ele verificava, eram um mal; não entendia que havia dum lado a miséria, gente que sofre, e do outro os ricos. Mas ele conseguiu encontrar uma pomba que fazia milagres. E então, porque o seu pensamento estava ligado ao sofrimento dos outros, resolveu fazer tudo para ajudar os outros, para não haver fome, nem frio, para todos terem casas para morar, para cada um realizar os seus desejos; ele não pensou em si mesmo, mas pedia à pomba para fazer milagres para os outros. Então a pomba apareceu-lhe e sentou-se na sua mão.

Ele disse: — pomba, dá casas para aqueles pobres, — e apareceram as casas com tudo, dentro delas. Dá comida àqueles famintos, e aparecia a comida, boa comida. Chamava mesmo as pessoas para perguntar o que é que queriam, e dava. Até o dia em que arranjou a sua namorada e sentou-se com ela. A namorada pedia-lhe uma coisa e ele dava. Outra gente dizia que também queria, mas ele não tinha tempo, agora era só para a namorada. Repentinamente a pomba voou, foi-se embora. Acabaram-se os milagres e tudo o que ele tinha feito como milagre tornou a desaparecer, mesmo ainda com a pomba na mão os milagres acabaram. Ele já não podia fazer nada pelos outros, porque só pensava na sua bajuda, na sua barriga.

 

Por: Balugum