GABINETE DO PRESIDENTE

16-03-2013 01:48

 

 

 

GABINETE DO PRESIDENTE

 

Nota Explicativa sobre a Atual Situação Política

 

Nos primeiros vinte anos da nossa existência, de 1974 a 1994, o país conheceu 5 chefes de Governo, e nos dez anos, que vão de 1997 a 2007, sucederam-se nove personalidades no cargo de Primeiro-ministro.

 

Depois das primeiras eleições legislativas e presidenciais pluralistas realizadas em Julho e Agosto de 1994, os primeiros sinais de instabilidade política começaram a fazer-se sentir a partir de 1998, que veio a culminar com o conflito político-militar de 7 de Junho desse mesmo ano, que entretanto iria durar onze meses.

 

O Pacto de Transição Política de Maio de 1999 inauguraria o primeiro compromisso extra-constitucional selado entre atores políticos, e desde então, diversos outros acordos, mais ou menos com a mesma índole, foram sendo celebrados, mas sem que pudessem tornar-se em medidas duradouras, e sem que pudessem em definitivo, instaurar uma verdadeira era de paz e de estabilidade entre nós.

 

Com o fim da guerra civil, realizaram-se as segundas eleições gerais em Novembro de 1999, que, ao invés de se apresentarem como uma luz de esperança para o povo guineense, cedo, se tornaram em sol de pouca dura, porque não tardou que um golpe militar depusesse o Presidente eleito a 14 de Setembro de 2003, e adotasse juntamente com a maioria dos Partidos Políticos e Organizações da Sociedade Civil, a Carta de Transição Política, que instituiu o quadro jurídico e político do retorno à normalidade constitucional.

 

Se a partir do advento da democracia nunca mais tivemos uma acalmia política e institucional, tornava-se ainda mais claro, que com as eleições legislativas de Março de 2004, o país não mais conheceria estabilidade política e institucional, porque nenhuma outra legislatura conseguiu terminar o seu mandato.

 

E é a partir desta data que também se inauguram na nossa política recente a violência que na sua maioria se traduziu em assassinatos perpetrados contra adversários políticos cujos comanditários continuam a gozar de toda a impunidade. E é também a partir desta altura que se inaugurou entre nós o negócio ilícito de tráfico de drogas, por causa da fragilidade quase endémica das nossas instituições e das nossas fronteiras, que se tornaram permeáveis a todo o tipo de promiscuidade.

 

Infelizmente, a apesar de uma vigorosa onda de protestos levada cabo em Junho e Agosto de 2011 por um importante número de partidos da oposição democrática, com e sem assento parlamentar, através de marchas pacíficas, denúncias públicas, declarações políticas, e outras formas de protesto, ao povo guineense ainda não foi dada qualquer possibilidade, depois de conquistada a independência, de resgatar a tranquilidade e a paz merecidas, para que enfim pudesse enfrentar os desafios próprios de luta para o desenvolvimento.

 

Foram estes inquietantes antecedentes, entre muitos outros, cuja enumeração tornar-se-ia exaustiva numa conferência de imprensa, que serviram de pano de fundo, para que 35 partidos democráticos da oposição, com e sem assento parlamentar, mais os militares e a Assembleia Nacional Popular, decidissem assinar o Acordo Político e o Pacto de Transição, sob o patrocínio do Conselho de Segurança e da CEDEAO, para que desta forma responsável pudéssemos ultrapassar a crise que poderia instalar-se com graves consequências.

 

Foi este novo status quo que permitiu o regresso ao poder dos civis, e por essa via a instituição de um Presidente da República de Transição, a prorrogação do mandato da Assembleia Nacional Popular, que por força dessa via se transformou numa Assembleia Nacional Popular de Transição e a formação de um Governo de Transição. Por razões de entendimentos diversos, que o PRS respeita, existem ainda entidades políticas reticentes ao espírito de consenso e inclusão que enformam os documentos de transição. 

 

Porém, o Partido da Renovação Social entende que qualquer busca de soluções que não tenha em conta o espírito dos instrumentos jurídicos que servem de guia à transição até o retorno à normalidade constitucional, colidirá com a intenção e a metodologia de largo consenso, base, sobre a qual, a maioria dos signatários se pautou no compromisso alcançado nos dois documentos que regem a Transição – o Acordo Político e o Pacto de Transição. Todo o processo de transição comporta em si a necessidade de adoção do consenso como a forma de tomada de decisões, de modo a tornar o processo mais inclusivo. 

 

Aliás, esta metodologia do consenso e da inclusão não colhe apenas internamente, ela também decorre de recomendações das instâncias internacionais e regionais, nomeadamente a CEDEAO e o Grupo de Contato. Sublinhe-se que o escopo da iniciativa da larga consensualidade que esteve na origem do compromisso que se obteve com a CEDEAO e com o Comando Militar, permitiu, apesar de todos condenarem a rutura constitucional, preservar a paz, e evitar, apesar de tudo, consequências maiores, como por exemplo, a guerra civil.

 

Por outro lado, é importante lembrar que depois do 12 de Abril, e após as primeiras negociações havidas entre a CEDEAO e os autores do golpe, era evidente que a única maneira de se conseguir a reposição da situação que existia antes do golpe implicaria o uso da força contra os autores do golpe. Tal opção estava fora de hipótese, porque não se vislumbrava que o Conselho de Segurança pudesse autorizar o uso da força para repor a democracia em detrimento da paz existente. Foi esta evidência, que prima pelos interesses do povo guineense, que justificou a recusa do pedido da CPLP nesse sentido.

 

A opção que restava para quem estava interessado em preservar a paz no país, não podia ser outra, que não seja negociar com os autores da sublevação, com vista a recuperar o poder e devolvê-lo aos civis. É nosso sentimento que foi esta a ideia que guiou a CEDEAO a partir da altura em que se deparou com a intransigência dos autores do golpe em aceitar o retorno ao status quo ante.

 

Por isso o epicentro do poder, não obstante a assinatura do Acordo de Devolução do Poder entre o Comando Militar e a Assembleia Nacional Popular a 10 de maio de 2012, não se deslocou em exclusivo para o parlamento, como pretendem sustentar alguns. Porque se assim fosse, e se assim pudéssemos, optaríamos pela via simplista e perigosa, que provavelmente anularia o golpe de estado. O que também choca com o espírito inclusivo que é desejo de todos. Registe-se que também numa situação de normalidade constitucional, o parlamento, sozinho não governaria o país. Precisaria sempre de um governo de mandato, que teria, neste caso, saído do seu seio.

 

Nesta ótica, e porque existem normas decorrentes do Acordo e do Pacto de transição que derrogaram algumas disposições constitucionais por força da situação de exceção que vivemos, os órgãos de soberania, o Presidente da República, a Assembleia Nacional Popular, o Governo e os Tribunais passaram a ter a sua legitimidade constitucional mitigada, e passaram a reger-se pelo regime de Transição com toda a legitimidade que isso implica.

 

A ANP que só comporta 5 (cinco) partidos políticos no seu seio, levanta sérios problemas de pluralidade na atual conjuntura, por isso, o PRS está convencido, de que não faz sentido ela deter sozinha a exclusividade da iniciativa de leis, por causa da indiscutível gravidade dos problemas que constantemente nos assolam, e por causa da firme intenção manifestada pela maioria dos signatários, em resolvê-los definitivamente. Torna-se por isso necessária, a criação, nesta fase de transição, em que não existem preocupações de ordem eleitoral, de um espaço de debate e de concertação entre todos os atores políticos, sociais, confessionais e do poder tradicional, para que as questões essenciais de regime possam aí ser debatidas, deliberadas e depois adotadas pela ANP.

 

Esse espaço de concertação, além de integrar representantes de todos os atores políticos, sociais, confessionais e do poder tradicional, para, naturalmente, garantir a abrangência necessária, deverá, em nossa opinião, ficar sob dependência do Presidente da República de Transição.

 

O Partido da Renovação Social não deixa, contudo, de registar a estranha coincidência que existe entre a criação do referido espaço de concertação –, patrocinado por um importante número de atores políticos e sociais, e que se encontrava num avançado estado de gestação -, com um outro órgão com as mesmas características e virtudes, patrocinado pelo PAIGC no parlamento.

 

E mais, depois de num primeiro encontro civilizado, elogiar a nossa iniciativa, o PAIGC, incompreensivelmente, atacou a iniciativa, ao promover clandestinamente e sem autorização, a circulação de um documento, ainda inconclusivo, patrocinado pelo nosso fórum de auscultação, de modo a poder denigri-la perante a opinião pública, alegando que a exclusividade da auscultação lhe pertencia.

 

O Partido da Renovação Social, apesar de advogar a não dissolução da ANP, sustenta ainda assim, que perante o atual quadro institucional de transição, o parlamento guineense de per si não garante a suficiente representação de todas as sensibilidades implicadas. Daí que junta a sua voz à premente necessidade sentida por todos os atores políticos e sociais, na criação de um espaço de diálogo e de concertação que, de forma institucionalizada, possa contribuir para tornar o nosso processo político mais dinâmico e mais inclusivo.

 

O PRS entende como muita gente, que a parlamentarização da transição, ou seja, a intenção de deslocar o centro do poder para o parlamento, não satisfaz, porquanto, ela choca com o espírito e a filosofia que enformam o enquadramento dos conceitos de, consenso e inclusão, tal qual entendidos pela maioria dos signatários dos documentos jurídicos que regem a transição, e pelas decisões da CEDEAO.

 

Por isso os anteprojetos da Comissão Parlamentar da ANP, mais não fazem do que tentar parlamentarizar a transição, em desalinhamento claro com os instrumentos de transição oportunamente aprovados pelos seus signatários.

 

A ANP quando pretende revogar um Pacto e um Acordo que não são da sua autoria, revela-se incompetente para tal, porque ela mesma, é produto dos instrumentos legais que pretende revogar, com o agravante de esses instrumentos não lhe conferirem poderes para o efeito.

 

Pior ainda, se a ANP não se considera órgão de transição, como poderia ela pretender rever um instrumento legal que define um quadro institucional que diz não pertencer?

 

Para o Partido da Renovação Social, a ANP, por ser um dos órgãos de transição, nos termos do PT e do AP, deve como tal, exercer as suas competências no quadro do consenso que atravessa toda a filosofia de transição, que se pretende mais inclusiva possível. 

 

Se a ANP, com a atual configuração, é um órgão evidentemente de pluralidade limitada, o consenso alargado que se pretende durante a transição tem que ser gerado fora da ANP. O papel de auscultador dos outros atores sociais a que a ANP se atribui, e nos termos do qual enviou os anteprojetos para análise, só se enquadra no antes do 12 de Abril de 2012. Depois desta data, o centro de gravidade do poder de condução da transição desloca-se para os signatários do PT e do AP.

 

Um golpe de Estado é a aquisição do poder por via da força, portanto, fora do quadro constitucional. Um golpe não é regulado e nem pretende ser regulado pela constituição. O Direito produzido pelo golpe é completamente autónomo, baseado na sua própria legitimidade. Por isso, durante o período de transição, os atos legislativos praticados na sequência do golpe imperam sobre a ordem legislativa derrogada. Com efeito, a subsistência da ANP dependeu dos atos legislativos constituintes produzidos na sequência do golpe, neste caso, do PT e do AP.

 

Recorde-se que o golpe atinge todos os órgãos da soberania e pôde determinar a medida da subsistência de todos eles. No caso, a própria ANP tinha sido destituída e depois reposta por vontade dos autores do golpe. Portanto, a sua subsistência enquadra-se nessa reposição como órgão de transição. E não se compreenderia que o Presidente da República, que tem poderes constitucionais para dissolver a ANP, fosse órgão de transição e a ANP se furtasse a esse mesmo enquadramento.

 

Nem adiantaria socorrer-se da pretensa Lei de Revisão Constitucional pela qual o mandato da ANP, que terminou em Novembro de 2012, teria sido prorrogado até à tomada de posse de novos deputados.

 

O legislador constitucional fixa sem equívocos, a duração do mandato dos deputados. Igualmente sem equívocos, define o regime de funcionamento da ANP findo o mandato. Ainda que se admita, sem conceder, que o mandato originário da ANP teria subsistido depois do golpe, nunca poderia ir para lá de Novembro de 2012. Depois de Novembro, a ANP ter-se-ia transformado num mero órgão de gestão, sem a plenária, reduzida apenas à Comissão Permanente. É esse o regime cristalinamente plasmado na Constituição e no Regimento.

 

E é desprovido de qualquer tipo de enquadramento democrático e legal, que um órgão eleito pudesse prorrogar o seu próprio mandato, sem que tal prerrogativa lhe seja conferida pelo seu documento constituinte, neste caso a CRGB.

 

Ademais, no caso específico da Guiné-Bissau, há um precedente judicial num caso análogo, em que o STJ considera inconstitucional a prorrogação de mandato pela ANP em 2008 nos termos do Acórdão n.º 4 de 31 julho.

 

Bissau, 13 de Março de 2013