Declaração Proferida por Sua Excelência O Senhor Primeiro-ministro de Transição

05-07-2012 08:23

Declaração Proferida por Sua Excelência O Senhor Primeiro-ministro de Transição

Eng.º Rui Duarte Barros

 

Povo da Guiné-Bissau

Caros Concidadãos

Para além das breves palavras proferidas no meu empossamento, creio ser este o momento e a via mais abrangentes para saudar todos os Guineenses, quer os que vivem no nosso País, quer os que engrandecem o nome da Guiné-Bissau nas comunidades da Diáspora, de uma forma muito calorosa pela serenidade e coragem com que souberam enfrentar a situação que o país atravessa.

Não gostaria de iniciar as minhas funções, sem antes, e apesar das circunstâncias excecionais, expressar o meu sentimento de honra e orgulho pela nobre missão que me foi confiada para dirigir o Governo que levará a cabo a tarefa do retorno à ordem constitucional.

Esta declaração serve para reafirmarmos os compromissos assumidos para a condução do Governo de Transição, mas também para levarmos uma mensagem de esperança, e de inclusão, àqueles que de alguma maneira apostaram em nós, e a todos os guineenses sem excepção, que por motivos diversos ainda estão mergulhados na incerteza.

Assumo desde já perante o povo guineense, o firme e sincero propósito de trabalhar com todas as forças vivas da Nação, na certeza de que o momento que o País atravessa exige uma especial cooperação entre as diversas instituições democráticas.

Pretendemos apenas governar com realismo, o que para nós significa conjugar o esforço do Executivo com o dos Guineenses numa base de confiança que só um contacto constante e permanente com a realidade pode cultivar, sem recurso a falsas promessas, sem sonhos virtuais, mas decidindo e agindo com responsabilidade e transparência.

No dia 12 de Abril último, aconteceu de novo um golpe de Estado no nosso País, que colocou os Guineenses e a Comunidade Internacional perante o enorme e complicado desafio de restabelecer a normalidade constitucional e democrática.

Sem surpresas, dividimo-nos quanto à forma de o fazer. Uma parte de Guineenses e da Comunidade Internacional tem clamado pelo retorno ao status quo ante, ainda que seja por via da força, e tudo tem feito para que esta opção vença.

Felizmente, a outra parte, a que pertencemos, entendeu que o primeiro instinto de um patriota perante situações adversas, é assegurar a paz para o seu povo, e dar o seu máximo para a sua manutenção, com vista ao retorno pacífico à normalidade.

Foi o que nós fizemos e vamos continuar a fazer sem poupar nenhum esforço.

Povo da Guiné-Bissau

Caros Concidadãos

Infelizmente, experiências de guerra não nos faltam, sendo a mais recente a de 98. Este conflito começou com uma tentativa de golpe de Estado, que degenerou numa guerra fratricida de 11 meses, opondo guineenses, ceifando vidas humanas, e destruindo o nosso país.

Mas não tenhamos dúvidas que houve o 98 porque não fomos capazes de evitar a guerra e preservar a paz.

É nossa profunda convicção de que falhámos todos. Felizmente, desta vez nem todos falharam. Não venceram as teorias do bloqueio total, do encurralamento, da revolta popular e do recurso às forças estrangeiras de intervenção.

Graças a Deus prevaleceu o bom senso na maioria dos Guineenses e da Comunidade Internacional.

O povo não correspondeu aos apelos à desobediência; o Conselho de Segurança não acudiu aos pedidos de autorização do uso da força; a CEDEAO e a União africana foram firmes em preservar a paz.

E ainda bem que certos atores internos souberam distinguir o interesse nacional dos interesses particulares, e assumiram a responsabilidade de trabalhar para evitar a guerra.

Todos nós prezamos a democracia e o Estado de direito, mas na condição de serem implementados numa situação de paz, poupando vidas humanas e o sofrimento do povo. A experiência mostra-nos que países mais estáveis da nossa sub-região, e que também já conheceram golpes de Estado, não precisaram de intervenções estrangeiras ou de guerras civis fratricidas para se tornarem estáveis. A estabilidade foi conseguida com recurso ao diálogo. E este Governo pretende seguir o mesmo caminho, dialogando com todos, sem excepção, incluindo com aqueles que continuam a hostilizá-lo.

Povo da Guiné-Bissau

Caros compatriotas

Hoje, passado pouco mais de dois meses, podemos nos orgulhar de ter instituições públicas e privadas a funcionarem; os bancos, o comércio e a vida social voltaram à normalidade; os investidores estrangeiros estão de regresso; as escolas reabriram; está garantida a segurança das populações; a tranquilidade voltou às ruas de Bissau e ao resto do País; a campanha da castanha de cajú decorre sem grandes sobressaltos. Enfim, já não paira sobre o nosso País o espectro de uma guerra fratricida.

Tudo o que se conseguiu não teria sido possível sem o atual Governo e o bom senso dos Guineenses. Afinal, trata-se de um Governo dos Guineenses e para os Guineenses. O seu sucesso será em benefício dos Guineenses, e o seu insucesso será também em seu prejuízo.

Um Governo de Transição como o nosso, apesar das características intrínsecas da sua génese, não deixa por isso de ter responsabilidades históricas na vida nacional. Num momento tão difícil para o país, e numa fase tão crítica para a sub-região, este Governo de Transição tem que estar à altura da história, e dar o seu contributo sólido, convicto e responsável.

Mas, para que isso aconteça devem-se operar mudanças na organização do aparelho do Estado, e no funcionamento das instituições democráticas para podermos ser capazes de estar à altura da complexidade dos desafios que temos pela frente.

Uma das mudanças mais profundas ocorridas nas últimas décadas, pelo menos em relação às nossas populações, está no acesso à informação e ao conhecimento, o que as tornou legitimamente mais exigentes e ambiciosas na procura do bem-estar material e no escrutínio da acção política.

Por isso, a nossa acção durante o ano de mandato exigirá a participação cada vez maior dos cidadãos, e, consequentemente, a sua mobilização, o que não se consegue com práticas políticas obsoletas ou até desprestigiantes, como a corrupção e a impunidade, os quais combateremos de forma firme e veemente.

O que aconteceu vem apenas explicar que a Guiné-Bissau mudou para uma maior exigência da acção política, e que por esta razão o Governo de Transição tem que estar à altura de dar o seu contributo na concretização segura e rápida dos compromissos assumidos com a Comunidade Internacional em criar condições para realizar o seguinte:

  • A implantação de bases sólidas no sector da justiça para permitir um esclarecimento cabal dos assassinatos políticos;
  • Uma auditoria às contas públicas;
  • A reforma da Administração Pública no seu todo, e em particular a das forças de segurança e de defesa, neste caso, contando essencialmente com o contributo endógeno das corporações;
  • A preparação das próximas eleições que terá que previamente passar pela submissão do processo eleitoral falhado a uma auditoria que nos possa conduzir a um competente e consistente recenseamento de raiz.

Povo da Guiné-Bissau

Caro Concidadão

Temos pela frente uma nova etapa ímpar, e que tem a ver consigo. Vamos dirigir-nos às mulheres, aos homens, aos jovens e aos idosos. Dirigimo-nos a todos e a cada um, e também aos que não se resignam. A quem conserva o sonho de construir uma nova Guiné-Bissau mais solidária e mais feliz.

Vamos, em primeiro lugar, assumir um compromisso: o do exemplo.

Vamos agir na condução deste Executivo colocando os valores éticos, da transparência e da responsabilidade como matrizes do nosso comportamento. A política para nós não é um jogo. A política não serve para ganhar dinheiro. A política é o impulsionador da transformação social e da ambição de um futuro melhor. Os políticos devem exercer os respetivos mandatos com total transparência. Por isso adotámos um Código de Conduta para o exercício dos cargos públicos.

Vamos colocar o interesse nacional acima de tudo, para podermos demonstrar que estamos na política para servir. E a nossa primeira responsabilidade é servir a Guiné-Bissau.

O envolvimento das pessoas é extremamente importante na condução deste processo de Transição. Queremos fazê-lo com todos e para todos. A participação e o envolvimento de todos determinam o êxito das propostas políticas.

Só um projeto mobilizador do melhor que há em cada um de nós pode gerar um horizonte de esperança.

Queremos uma Guiné-Bissau para todos os que têm esperança, e para todos os que querem e lutam por um trabalho digno. Queremos um País onde não faltarão oportunidades para os jovens, para que estes se possam qualificar e trabalhar.

Também queremos um País com gente ambiciosa, que não se contenta com o seu passado glorioso, e que tenha no seu seio cidadãos ativos, empenhados, e donos do seu próprio futuro, da sua terra e do seu país. Jamais poderemos querer penhorar a pátria que muito sangue custou a Amílcar Cabral e aos seus camaradas.

Devemos assumir uma postura cooperante para a procura das melhores soluções para a Guiné-Bissau.

Os recentes desenvolvimentos políticos trouxeram à luz do dia, as verdadeiras razões que são do conhecimento público e da Comunidade Internacional, nomeadamente do Conselho de Segurança, que apesar de condenar o golpe de Estado, nem por isso deixou de assumir um compromisso realista e responsável de legitimar, por duas vezes, as decisões da CEDEAO, como organização sub-regional responsável pela manutenção da paz e segurança.

O resultado foi um sucesso: conseguimos evitar a guerra

Este Governo não está em guerra diplomática com nenhum país ou organização internacional, e preza particularmente os laços culturais e históricos que o ligam aos países irmãos da CPLP. Entretanto, lamenta profundamente que alguns dos Governos desses países tenham como agenda principal inviabilizar a sua acção, mesmo sabendo das implicações negativas que isso poderá ter na preservação da paz e estabilidade do País.

Queremos ser respeitados pelas nossas diferenças, e pelo nosso inalienável direito à dignidade e à felicidade. Acreditamos que um outro modelo de cooperação seja possível, e que países amigos e irmãos possam ter um papel determinante neste processo.

O Governo estará sincera e profundamente disponível para se envolver em projetos de desenvolvimento sérios com todos os angolanos, caboverdianos, portugueses, brasileiros, moçambicanos e timorenses, que queiram acompanhar-nos neste nobre desígnio do regresso pacífico à normalidade constitucional e democrática.

O Governo reafirma a este propósito que todos os contratos assumidos pelo anterior Executivo serão integralmente respeitados, endereçando por isso uma palavra de conforto a todos os cidadãos estrangeiros que escolheram a nossa Pátria para estabelecerem os seus negócios, garantindo-lhes desta forma segurança nos seus investimentos. 

Caro Concidadão

Antes de terminar esta declaração gostaria de enviar uma palavra especial de amizade aos nossos Combatentes da Liberdade da Pátria, para quem alguma displicência do Estado que eles próprios ajudaram a criar, fez com que a sua vivência ao longo destes anos, não se tornasse num exemplo de dignidade e de orgulho para todos nós. A maioria desse contingente já na idade da reforma, foi votada ao ostracismo e ao estatuto de indigência, empurrando-os para empregos pouco dignos, que tiveram que aceitar para poder fazer face ao sustento da família e às despesas com saúde.

Apesar das limitações deste Executivo em não poder fazer tudo, prometo empenhar-me na dignificação dos Combatentes da Liberdade da Pátria.

A tarefa que se nos apresenta é gigantesca e difícil, mas numa coisa estamos todos de acordo: não podemos cruzar os braços resignados a pensar que a fatalidade nos bateu a porta, e que somos, no concerto das nações, um país prescindível. É verdade que a nossa história recente marcada pela violência, a consternação e o desalento, sejam fatores de contradição com os nossos reais desígnios. Mas esses devem, e terão que ser traçados, inspirando-se no património histórico glorioso da nossa luta de libertação.

Para este Executivo este deve ser o caminho a trilhar para que o cumprimento do dever seja motivo de orgulho e não de obrigação.

Povo da Guiné-Bissau

Estamos conscientes da enorme responsabilidade que impende sobre os nossos ombros, e por isso assumimo-nos como um Governo que não deixará de se regular pelo escrupuloso princípio da Boa Governação.

OBRIGADO

Bissau, 2 de Julho de 2012